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“Proporcionar qualidade e liberdade”: plataformas de anúncio de “acompanhantes” como patrocínio no futebol

Laura Bierhals Lemke 


A Fatal Model é uma empresa de “acompanhantes” que atualmente patrocina o Vitória e o Ponte Preta, além do Campeonato Carioca e do Campeonato Gaúcho (Fatal Model, 2024), ambos com grande alcance de público. A empresa aposta em discursos que descrevem sua plataforma como segura, respeitosa e empoderadora (Fatal Model, 2024) para os mais de 32 mil “acompanhantes” cadastrados no site, incluindo pessoas cis e trans. Na prática, a Fatal Model conecta “acompanhantes” com clientes por todo o Brasil, oferecendo um serviço básico gratuito para ambas as partes com funcionalidades adicionais pagas, como, por exemplo, impulsionar o anúncio do “acompanhante” ou ver informações adicionais como cliente (Fatal Model, 2024). 


A presença da marca no futebol é muito significativa, levando em conta que esse esporte tem um impacto gigante na mídia, quebrando recordes de audiência ano após ano (Rial, 2008). Falando em termos econômicos, o futebol movimenta US$ 286 bilhões por ano (Valor, 2022). Em grandes eventos, como a Copa do Mundo, ele alcança cerca de 1,5 bilhão de espectadores por todo o mundo (ESPN, 2023). Já o principal torneio do Brasil, o Campeonato Brasileiro, atingiu até 33 milhões de pessoas por jogo em 2023 (Folha, 2023). O patrocínio do futebol rendeu à Fatal Model um aumento no tráfego no site de 43%, indo de uma média de 43,6 milhões para 62,2 milhões de visitas por mês, além de um faturamento crescente de 124% no ano (Exame, 2024). 


Apesar do aumento da inserção de mulheres no mercado de trabalho nas últimas décadas, elas ainda têm uma taxa de desemprego 50% maior que a dos homens (Agência Brasil, 2023). Portanto, a prostituição surge na vida de muitas mulheres como uma via econômica, podendo também ser uma opção mais rentável em comparação aos subempregos femininos (Blanchette; Silva, 2009). A divisão sexual do trabalho, que exclui as mulheres do trabalho assalariado ou as reserva ao trabalho informal explica a discriminação contemporânea do trabalho feminino (Federici, 2017) e traz o olhar para o centro das questões de trabalho: o modo de produção capitalista. No capitalismo, olhando por um viés marxista, a exploração é parte das atividades de trabalho como um todo, em uma relação de dominação (Soares; Castro, 2023). Então o que difere a prostituição das outras atividades? 


Diferencia-se pois a análise vai além das questões econômicas: no contexto da dominação capitalista, soma-se o conceito do patriarcado, sistema que permite que os homens dominem as mulheres. E um dos motores desse sistema é a via econômica: Paradis (2017) demonstra como o poder na sociedade está nas mãos dos homens. Cerca de 2,4 bilhões de mulheres de todo o mundo têm menos oportunidades e direitos econômicos que homens (G1, 2022), lidando com uma dupla opressão de gênero e de classe. 


O discurso adotado pela empresa Fatal Model fala frequentemente na mídia sobre a busca por “respeito e igualdade” entre homens e mulheres ao utilizar a plataforma (Terra, 2023), além da utilização do slogan “Fatal Model é segurança, respeito e empoderamento” em seu website (Fatal Model, 2024). A porta-voz oficial do site ainda menciona: “O público masculino é o que mais contrata (“acompanhantes”). É o público que mais precisa ser educado sobre a profissão e a questão do machismo. Vimos nesse espaço do futebol um canal para levar nossas mensagens e trazer a discussão” (Uol, 2023).


É possível observar, nesse contexto, uma visão pouco crítica e realista sobre os desafios enfrentados na prostituição. Pode-se perceber que o discurso marcado pela ideia de “proporcionar qualidade e liberdade” (Fatal Model, 2023) a quem escolhe a prostituição pode levar a uma ideia ilusória tal como é para todos que trabalham no sistema capitalista. Todas as pessoas, gozando da possessão da sua própria força de trabalho e de um status de liberdade, usufruem, na realidade, da liberdade de ser explorado: não uma liberdade empoderadora, mas sim limitadora (Soares; Castro, 2023). Ainda nesse panorama, a mulher está inserida em um contexto de complementaridade da dominação de classe e dominação masculina, que desempenha um papel direto na divisão sexual do trabalho (Arruza, 2015) e leva as mulheres à maioria dos trabalhos na informalidade (Correio Braziliense, 2021). 


Nesse sentido, é possível perceber que o futebol é escolhido estrategicamente pela marca por ser um lugar predominantemente masculino – uma posição abertamente discutida pela Fatal Model, como supracitado, mas também reforçada por estudos sobre futebol. Pisani (2018) ressalta que, desde jovens, os homens são incentivados a participar do futebol, enquanto as mulheres são afastadas, o que gera uma prática de futebol mobilizadora das noções de masculinidade, como a virilidade, competitividade e força. Além disso, a autora traz uma análise das cenas da imprensa para discutir a categoria de gênero, sendo uma das mais notáveis a edição da revista Placar de 1995, que trazia trocadilhos e imagens sexualizando mulheres. As mulheres, portanto, são inseridas no mundo do futebol, que já as exclui historicamente, não em uma posição de equidade ao sexo masculino, mas sim a serviço do mercado de sexo. Dessa maneira, são reforçadas representações que homens fazem de mulheres, “relacionadas às suas experiências culturais fruto de uma desigualdade forjada no campo político, em que os desejos dos homens permanecem reguladores da ordem vigente” (Fáveri, 2013, p. 6). 


Pode-se concluir que os discursos adotados pela empresa tratando sobre prostituição tendem a trazer pouca adesão à realidade, se analisados levando em conta a existência do patriarcado inserido no sistema capitalista. Ainda há uma contradição na ideia de educar os homens sobre machismo, com a inserção da mulher no futebol de maneira não equitativa. Nesse sentido, é preciso construir um olhar questionador sobre o posicionamento da marca, que ganha grande alcance com o patrocínio no futebol. 



 

Referências 

AGÊNCIA BRASIL (Rio de Janeiro). Desemprego é maior entre mulheres e negros, diz IBGE. 2023. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-05/desemprego-e-maior-entre-mulher es-e-negros-diz-ibge>. Acesso em: 11 de mai. 2024. 


ARRUZZA, Cinzia. Considerações sobre gênero: reabrindo o debate sobre patriarcado e/ou capitalismo. Revista Outubro, Nova Iorque, n. 23, p. 35-58, 2015.


BLANCHETTE, Thaddeus Gregory; SILVA, Ana Paula da. As American girls: migração, sexo e status imperial em 1918. Horiz. Antropol., Porto Alegre, v. 15, n. 31, p. 75-99, 2009. 


CORREIO BRAZILIENSE. Informalidade entre as mulheres é muito maior, diz pesquisador da Pnud. 2021. Disponível em <https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2021/11/4961404-informalidade-entre-as-m ulheres-e-muito-maior-do-que-entre-os-homens-diz-fgv.html>. Acesso em: 12 de mai. 2024. 


ESPN. Fifa divulga que 1,5 bilhão de pessoas ao redor do mundo assistiram a final da Copa do Mundo; veja dados. 2023. Disponível em: <https://www.espn.com.br/futebol/copa-do-mundo/artigo/_/id/11497424/fifa-divulga-1-5-bilha o-pessoas-redor-do-mundo-assistiram-final-copa-do-mundo>. Acesso em: 10 de mai. 2024. 


EXAME. Conheça a gaúcha Fatal Model, um negócio ‘sexy’ de R$ 85 milhões cada vez mais presente no futebol. 2024. Disponível em: <https://exame.com/negocios/quem-comanda-a-fatal-model-um-negocio-de-r-85-milhoes-cada -vez-mais-presente-no-futebol/>. Acesso em: 5 de mai. 2024. 


FATAL MODEL. Homepage. 2024. Disponível em: <https://fatalmodel.com/>. Acesso em: 20 de mai. 2024. 


FATAL MODEL. Veja as principais ativações de patrocínio do Fatal Model no futebol. 2023. Disponível em: <https://fatalmodel.com/blog/futebol/patrocinio-fatal-model-no-futebol/>. Acesso em: 11 de mai. 2024. 


FÁVERI, Marlene de. Mercado do sexo e masculinidades no tempo presente. In: Seminário Internacional Fazendo Gênero, 10, 2013, Florianópolis. Anais eletrônicos. Florianópolis, 2013. p. 1-9. Disponível em: <https://www.fg2013.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/20/1373327646_ARQUIVO_TEXTOCOMPLETOFAzGEn13MarlenedeFaveri.pdf>. Acesso em: 10 de mai. 2024. 


FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017.


FOLHA. Brasileirão 2023 cresce 16% em audiência na TV paga; veja números do SporTV. 2023. Disponível em: <https://f5.folha.uol.com.br/televisao/2023/12/brasileirao-2023-cresce-16-em-audiencia-na-tv paga-veja-numeros-do-sportv.shtml>. Acesso em: 21 de mai. 2024. 


G1. Mais de 2 bilhões de mulheres têm menos oportunidades e direitos econômicos que homens no mundo. 2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/03/01/mais-de-2-bilhoes-de-mulheres-tem-meno s-oportunidades-e-direitos-economicos-que-homens-no-mundo.ghtml>. Acesso em: 21 de mai. 2024. 


PARADIS, Clarisse Goulart. Feminismo, liberdade e prostituição: para além do dissenso democrático. 2017. 342 f. Tese (Doutorado) – Curso de Ciência Política, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017. Disponível em: <https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUBD-AQKGWZ/1/tese_vers_o_biblioteca.pdf>. Acesso em: 21 de mai. 2024. 


PISANI, Mariane da Silva. “Sou feita de chuva, sol e barro”: o futebol de mulheres praticado na cidade de São Paulo. 2018. 251 f. Tese (Doutorado) – Curso de Antropologia Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8134/tde-11102018-110139/publico/2018_Maria neDaSilvaPisani_VCorr.pdf>. Acesso em: 10 de mai. 2024. 


RIAL, Carmen. Rodar: a circulação dos jogadores de futebol brasileiros no exterior. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 14, n. 30, p. 21-65, dez. 2008. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/ha/a/syLR3VK3QkmbTK8xJJtjpzw/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 11 de mai. 2023. 


SOARES, Vinicius Efraym Siqueira Lopes; CASTRO, Felipe Araújo. Entre moral, capital, liberdade e empoderamento: variedade dos discursos sobre regulamentação da prostituição. Revista Jurídica da Ufersa, Mossoró, v. 7, n. 14, p. 27-46, ago. 2023. Disponível em: <https://periodicos.ufersa.edu.br/rejur/article/view/11738/11379>. Acesso em: 15 de mai. 2024.


TERRA. Fatal Model fecha com outro e chega a oito clubes brasileiros. 2023. Disponível em: <https://www.terra.com.br/esportes/futebol/fatal-model-fecha-com-outro-e-chega-a-oito-clubes -brasileiros,93f64700ea6ac9c6afa7b160426fdd67c1wkuceh.html?utm_source=clipboard>. Acesso em: 11 de mai. 2024. 


UOL. R$ 200 mi: por que site de acompanhantes quer dar nome a clube de futebol? 2023. Disponível em: <https://www.uol.com.br/splash/noticias/2023/12/07/fatal-model-site-de-acompanhantes-clube -de-futebol.htm>. Acesso em: 10 de mai. 2024. 


VALOR (Genebra). Futebol movimenta o equivalente ao PIB da Finlândia, diz presidente da Fifa. 2022. Disponível em: <https://valor.globo.com/mundo/noticia/2022/09/27/futebol-movimenta-o-equivalente-ao-pib-d a-finlandia-diz-presidente-da-fifa.ghtml>. Acesso em: 13 de mai. 2024.


Laura Bierhals Lemke é graduanda de Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina e formada no curso Técnico em Informática integrado ao Ensino Médio no Instituto Federal de Santa Catarina. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1003037920162901. E-mail: laurab.lemke@gmail.com.


Este texto é uma adaptação da apresentação realizada pela autora no I Encontro INCT Estudos do Futebol Brasileiro, realizado de 5 a 7 de agosto, em Florianópolis.

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