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Os agentes formadores na trajetória inicial de futebolistas

Lucas Barreto Klein


No dia 7 de agosto de 2024, eu apresentei, no I Encontro INCT Estudos do Futebol Brasileiro, ocorrido em Florianópolis, a pesquisa “Perfis de agentes formadores na trajetória inicial de futebolistas em clubes brasileiros”. Na ocasião, busquei expor dados e discussões provenientes de entrevistas realizadas com dois coordenadores de futebol de base e seis treinadores que atuavam na formação inicial de atletas, com idade entre 9 e 13 anos, em clubes profissionais do futebol brasileiro. O objetivo do trabalho é revelar o perfil desse grupo de agentes formadores atuantes no campo profissional e elencar pontos de análise teórico-crítica que contribuam com a discussão. Neste texto, vou apresentar uma síntese do trabalho em questão.


O quadro abaixo traz um resumo do perfil dos agentes investigados, destacando as categorias de análise aprofundadas neste estudo: o nível de experiência como ex-atletas de futebol; a formação acadêmica e complementar e a estabilidade na carreira, considerando o tempo em que atuavam em suas equipes; e a questão da dupla carreira desses profissionais.


Perfil dos agentes formadores investigados

Entrevistado

Atuou profissionalmente no esporte?

Formação acadêmica

Tempo de trabalho no clube até 2019

Dedicação exclusiva ao clube?

C1

Não

Graduado

14 anos

Sim

C2

Não

Especialista

16 anos

Sim

T1

Não

Graduando

2 anos

Não

T2

Sim (futsal)

Graduado

10 anos

Não

T3

Não

Especialista

6 anos

Não

T4

Não

Mestrando 

7 anos

Sim

T5

Não

Graduando

4 anos

Não

T6

Não

Especialista

9 anos

Não

Fonte: elaborado pelo autor (Klein, 2021)


Eixo 1: experiência esportiva


Os investigados possuíam experiências somente como ex-atletas em nível de categoria de base, com exceção de T2, que se destacou como atleta de futsal em alto nível, inclusive com passagem pela seleção brasileira. No entanto, ele encerrou cedo sua carreira, aos 28 anos, e logo começou a trabalhar com escolinhas de iniciação esportiva. Segundo Invernizzi (2018), é comum que ex-atletas profissionais permaneçam no mercado do futebol, atuando em diferentes funções, devido ao seu saber técnico-empírico. Porém, é raro encontrar treinadores de elite que tenham iniciado suas carreiras nas categorias iniciais de formação.


Ao cruzar essas informações com os estudos de Bussinger (2019) sobre treinadores de alta performance e Bettanim et al. (2017) sobre treinadores que trabalhavam nas etapas finais de formação (sub-17 e sub-20), observa-se diferenças significativas no campo de atuação profissional entre aqueles envolvidos na trajetória inicial de formação de atletas de base e os que se encontram em maior evidência no futebol.


A diferença na média etária entre treinadores de alta performance e agentes formadores atuantes na iniciação esportiva pode ser explicada pelo fato de que os treinadores de alta performance investigados por Bussinger (2019) possuíam uma carreira consolidada como ex-atletas de futebol, iniciando suas trajetórias como treinadores após anos de experiência como atletas profissionais. Isso se alinha com a média etária dos agentes formadores investigados, que se situa em torno dos 35 anos, momento em que a carreira de atleta profissional costuma se encerrar.


Embora o grupo de agentes formadores investigados não seja composto por ex-atletas profissionais de futebol, suas trajetórias de vida estão intimamente ligadas ao esporte de alto rendimento. Isso sugere uma tendência para o campo de atuação de treinadores que lidam com a pré-formação de futebolistas, visto que, assim como os atletas de base, os agentes formadores estão em uma fase inicial de suas carreiras.


Eixo 2: formação acadêmica


A formação em nível superior em Educação Física é considerada de grande relevância para os profissionais que atuam como treinadores de futebol. Dos entrevistados, apenas dois ainda estavam cursando a faculdade, mas possuíam diplomas de nível superior em outras áreas (T1 em Tecnólogo e T5 em Administração), enquanto os outros seis possuíam graduação em Educação Física. Além disso, T4 estava cursando mestrado em uma universidade pública, e C1, T3 e T6 também possuíam especialização em cursos relacionados ao ensino e treinamento de futebol. Esses dados estão alinhados com as descobertas de Bussinger (2019), que destacou que treinadores de elite geralmente possuem certificação ou estão em processo de graduação em cursos superiores de Educação Física, sendo legitimados pelo saber científico para atuar nesse campo profissional.


A Conmebol (2020) recentemente propôs um modelo de licenças para a atuação profissional de treinadores, enfatizando a importância do desenvolvimento de habilidades e capacidades específicas para treinadores que trabalham com crianças e jovens. Essa proposta destaca a importância do período de iniciação esportiva na formação, não apenas dos jogadores, mas também das pessoas em geral, enfatizando o papel da família, da escola e do clube de futebol nesse processo.


A CBF tem promovido cursos de capacitação e licenças profissionais para treinadores de futebol, incluindo as licenças C e B para aqueles que atuam nas categorias de base. No entanto, os altos custos dessas licenças têm limitado a participação de muitos profissionais que já estão atuando. Apesar disso, a exigência de certificação tem se tornado cada vez mais comum em competições oficiais das federações estaduais, que passam a exigir dos treinadores a certificação da CBF. Em resumo, há uma crescente regulamentação e oferta de formação profissional especializada para treinadores de futebol, reforçando a relação de dependência entre federações, clubes e profissionais com as entidades reguladoras do esporte nacional (CBF-FIFA)


Eixo 3: dupla-carreira profissional


Os dados revelaram uma tendência de certa estabilidade e longevidade nos postos de trabalho nas categorias de iniciação no futebol. T1, que estava no seu segundo ano como treinador do clube, era quem atuava a menos tempo no cargo, enquanto T2 e T6 estavam há praticamente uma década na função. Isso sugere que os critérios de avaliação do trabalho dos agentes formadores podem ser diferentes dos aplicados aos treinadores de alta performance, dado o grande número de demissões que ocorrem no futebol profissional. Além disso, C1 e C2 estavam há mais de uma década como funcionários de seus clubes, tendo desempenhado diferentes funções ao longo do tempo até assumirem o cargo de coordenadores do futebol de base.


As diferenças salariais entre treinadores de futebol de base e os de alta performance justificam a busca pela progressão na carreira, além do status social obtido com a ascensão profissional. Embora não tenhamos dados sobre a média salarial dos agentes formadores investigados, o fato de cinco dos seis treinadores de base estarem em dupla carreira profissional, com empregos paralelos ao clube, sugere que havia a necessidade de complementar suas rendas mensais. Isso é especialmente relevante devido à frequente ocorrência de atrasos nos vencimentos por parte dos clubes, uma realidade comum e, de certa forma, naturalizada neste campo.


Para lidar com essa dupla jornada, os agentes formadores precisam criar estratégias de flexibilização, já que o futebol de base demanda um calendário de atividades que vai além da rotina de treinos. Isso inclui competições que, geralmente, ocorrem nos finais de semana, mas também exigem viagens que podem durar cerca de uma semana.


Conclusão


A pesquisa oferece reflexões valiosas sobre o perfil e as características dos agentes formadores que atuam na formação inicial de atletas em clubes profissionais de futebol, sobretudo quando comparados ao campo de atuação de treinadores de alta performance. Ao analisar aspectos como experiência esportiva, formação acadêmica e complementar, e a realidade da dupla-carreira profissional, foi possível destacar a complexidade e os desafios enfrentados por esses profissionais em fase inicial de carreira.


Os resultados sugerem que, mesmo sem necessariamente serem ex-atletas profissionais, os agentes formadores possuem uma forte ligação com o esporte de alto rendimento, destacando a importância da formação acadêmica em Educação Física para a atuação nesse campo. Além disso, a estabilidade relativa na carreira e a necessidade de complementar renda através de dupla jornada de trabalho evidenciam aspectos peculiares do contexto em que esses profissionais estão inseridos.


Diante disso, torna-se claro que a formação e capacitação contínua desses agentes são fundamentais para o desenvolvimento do futebol de base no Brasil. Investir em programas de formação profissional acessíveis e na valorização do conhecimento científico é essencial para garantir a qualidade e o desenvolvimento dos talentos esportivos desde as categorias de base.


Portanto, espera-se que os resultados deste estudo contribuam para o aprimoramento das políticas e práticas relacionadas à formação de atletas no contexto do futebol brasileiro, promovendo, assim, um ambiente mais propício ao desenvolvimento integral dos jovens talentos e à profissionalização dos agentes formadores.


Referências


BETTANIM, Marcelo Rodella et al. Atividade de treinador de futebol no Brasil: ofício ou profissão? Revista Brasileira de Ciência e Movimento, Brasília, v. 25, n. 1, p. 212-219, 2017.


BUSSINGER, Gabriel Henrique de Lucena. Concepções e princípios de prática de liderança de treinadores: um estudo com treinadores de alta performance no futebol brasileiro. 2019. 166 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019. 


INVERNIZZI, Lisandra. Ser “daqui” ou ser “de fora”: hierarquias, descontinuidades e trânsito no futebol não profissional de Florianópolis. 2018. 302 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2018.


KLEIN, Lucas Barreto. Esporte, treinamento e educação: projetos, agentes e tensões na formação inicial de futebolistas no Brasil. 2021. 196 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021.



 

Lucas Barreto Klein é doutor em Educação pela UFSC e coordenador das categorias de base do Figueirense Futebol Clube.


Este texto é uma adaptação da apresentação realizada pelo autor no I Encontro INCT Estudos do Futebol Brasileiro, realizado de 5 a 7 de agosto, em Florianópolis.


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