Desde o final de abril temos sido bombardeados por imagens alarmantes das cheias no Rio Grande do Sul. Hoje, o estado se encontra em situação de calamidade, com quase todas as cidades comprometidas. O país inteiro mostra-se solidário a fim de levar auxílio a moradores das regiões atingidas. Pode-se afirmar que se trata de uma tragédia sem precedentes na história do país, não somente pela proporção territorial, mas também pelo colapso das estruturas que sustentam o abastecimento de alimentos, água e energia elétrica, além da segurança pública dos municípios e da rede de transportes viários, portuários e aeroportuários. A situação está longe de se normalizar devido às características hidrográficas e da continuidade de chuvas no estado gaúcho.
Jornal Zero Hora, CARLOS FABAL / AFP
O colapso também atingiu o futebol. Cenas como as vistas na Arena do Grêmio e no Estádio Beira-Rio, que ganhou projeção internacional, assombram porque simboliza a fragilidade que nós, enquanto humanidade, estamos submetidos diante do aquecimento global. Os clubes de futebol no Rio Grande do Sul estão com jogos suspensos, sem datas para realização das partidas, afetando parte dos campeonatos Brasileiro séries A, C e D; Libertadores da América; e, da Sul-Americana. A impossibilidade de manter os jogos em função da falta de espaço para treinar, da dificuldade de mobilidade e da interdição de estádios são fatores que impactam os times gaúchos.
Alguns clubes, como o Figueirense, Flamengo, Palmeiras, São Paulo e o Corinthians, ofereceram os estádios e centros de treinamento às equipes. Outros, têm incentivado torcedores a realizar doações em suas sedes. O Sport Club do Recife organizou um bazar beneficente no qual o valor arrecadado com a venda de camisas antigas utilizadas pelos jogadores será destinado às vítimas da enchente. O Atlético Mineiro, que jogaria contra o Grêmio no último sábado, realizou um treino aberto a torcedores com renda destinada às vítimas das cheias. Por todo o país, clubes e federações disponibilizam espaços para arrecadar recursos que serão enviados para o RS.
Alberto Guerra, presidente do Grêmio, em entrevista ao UOL Esporte, ressaltou na última quarta-feira que a solidariedade dos clubes ao oferecer suas estruturas para dar continuidade aos campeonatos representa uma solução de “quem está muito distante do problema”. O dirigente afirma que a realidade vivida hoje em Porto Alegre impossibilita que se pense em futebol:
Tenho certeza que, se isso acontecesse em qualquer outro lugar do Brasil, se as pessoas estivessem aqui no nosso lugar, estariam pensando a mesma coisa, não é nenhuma desculpa técnica, ninguém está querendo benefício para os clubes, até porque o que a gente menos pensa aqui é futebol. A gente tá numa fase de salvar pessoas, correr atrás de água, que é um bem escasso na cidade, está querendo ligar a luz. [...] Não estou preocupado com o que vão fazer com o campeonato, se vai jogar, não vai jogar, não tem tempo pra isso, a gente está preocupado aqui em se ajudar uns aos outros¹.
Guerra quer dizer que em meio às catástrofes naturais que afligem cidades, estados e países, no momento de insegurança e desespero, as cores clubísticas, crenças religiosas, ideologias partidárias etc., não importam quando o desejo é preservar vidas. Posicionamento semelhante foi anunciado por outros dirigentes. Alessandro Barcellos², presidente do Internacional, declarou em entrevista à Sportv: “[...] a gente agradece. Mas a gente quer deixar muito claro isso. Nós não vamos abandonar o nosso povo nesse momento.” Na Serra Gaúcha, Fábio Pizzamiglio, do Juventude, também afirmou que no momento não há “clima para o futebol”³.
Há quem defenda a paralisação do Brasileirão. Solução radical? Não diante da gravidade da situação. Parar o campeonato significa solidariedade e apoio às pessoas atingidas, como também o reconhecimento de que os efeitos das mudanças climáticas têm incidido cada vez mais sobre o cotidiano. Uma realidade que se impõe avassaladora e que cada vez mais estimulará o debate negócio (entretenimento) versus preservação das vidas (solidariedade).
Desde então, Juventude, Grêmio e Internacional emitiram um ofício à Confederação Brasileira de Futebol solicitando o adiamento de todos os jogos das próximas rodadas da Série A. Esse movimento foi acompanhado por boa parte dos clubes que participam da competição e pelo próprio Ministério do Esporte. Em pronunciamento nesta manhã, Ednaldo Rodrigues afirmou que a CBF irá acatar a decisão sobre a paralisação. No entanto, alertou para os problemas que essa medida irá causar: “Não é tão fácil”, disse. Mesmo se mostrando solidária, a CBF até o momento não emitiu qualquer comunicado ou declarou a intenção de incluir em sua pauta de discussões os efeitos do aquecimento global, como o ocorrido no sul do país, no futebol brasileiro.
Esses efeitos climáticos já são sentidos no futebol, a parada técnica para hidratação é um bom exemplo. Embora, alguns acreditem que sua implantação esteja relacionada ao horário dos jogos, o que no primeiro momento foi uma verdade, mas na atualidade mesmo em jogos realizados à noite se faz necessária a hidratação em razão do desgaste físico em decorrência da temperatura elevada e do clima seco. Independente da parada técnica, também nos acostumamos a observar tempestades com chuvas torrenciais repletas de raios e/ou gelo (granizo), que colocam em risco a vida dos atletas e mesmo a continuidade das partidas. Em regiões frias do mundo, nevascas pintam os gramados de branco e dificultam a realização dos jogos. Assim como, em outras regiões, as tempestades de areia também dificultam treinamentos e jogos.
Trata-se de um alerta e de uma denúncia. Não que isso já não venha afetando, mesmo no futebol. Afinal, a parada técnica para a hidratação de futebolistas está se demonstrando um artifício cada vez mais acionado pela arbitragem nos jogos pelas altas temperaturas.
Suspender ou não suspender o campeonato brasileiro, não é uma questão apenas do futebol. Caso seja, justifica sua resistência, já que o futebol é entretenimento. No entanto, os acontecimentos climáticos que afetam a humanidade em diversos lugares pelo mundo e o esporte, como veículo ideológico da modernidade, podem potencializar a reforma do pensamento por meio do discurso de sustentabilidade e preservação.
O futebol, que em suas origens fez parte dos rituais religiosos ligados à natureza, precisa evocar essa relação para mais uma vez as pessoas aprenderem a respeitar a força dos quatro elementos.
¹ Presidente do Grêmio: 'Oferecem CT porque não sabem o que estamos passando’. UOL Esporte. Acesso em: 08/05/2024.
² Em entrevista à Sportv em 08 de maio de 2024. Ver: Redação Globo Esporte.Presidente do Inter diz que o clube não vai sair do RS: "Não vamos abandonar o nosso povo". Acesso em 09/05/2024.
³ Reis, Ana Karolina. “Não tem clima para futebol”, diz presidente do Juventude sobre enchentes no RS. CNN Esportes. Acesso em 09/05/2024
Texto escrito em 10/05/2024.
Texto aprovado para publicação em 13/05/2024
SOBRE OS AUTORES:
Caroline Soares de Almeida Coordena a Linha de Pesquisa Futebóis de mulheres, indígenas e LGBTQIA+ no INCTFUTEBOL.
Daniel Machado Conceição Coordena a Linha de Pesquisa Clubes, formação, carreira e migração de futebolistas no INCTFUTEBOL.
COMO CITAR:
ALMEIDA, Caroline. CONCEIÇÃO, Daniel. O que o futebol tem a dizer sobre o aquecimento global?. Bate-pronto, INCTFUTEBOL, Florianópolis, V.1, n.7, 2024.
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