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Mulher tem vez? - A participação de mulheres leitoras da revista Placar através da seção Camisa 12

Atualizado: 28 de nov. de 2024

Maria Karolinne Mello


A revista Placar foi criada em março de 1970, consolidando-se como a revista esportiva de maior circulação no país (Rocco; Belmonte, 2014). Por meio de edições semanais e comemorativas, publicou, ao longo dos anos, centenas de capas. Durante mais de cinco décadas de atividade, passou por diversas transformações, entre elas, a inserção de um teor crítico em suas publicações nos anos 80 e a conversão de suas publicações semanais para mensais na virada dos anos 90 (Saldanha, 2009).


Sua estrutura era composta por várias colunas escritas por diversos jornalistas influentes, sendo conhecida também por suas seções. A Camisa 12 foi uma delas, sendo observada na revista durante as décadas de 70 e 80. Sob o comando do personagem fictício Capu, era destinada à troca de correspondências entre seus leitores. Dessa maneira, incentivava a sociabilidade entre torcedores de diversas regiões do Brasil. Tal característica pode ser observada através de seu lema “A torcida entra em campo e mostra o seu jogo”. Durante os anos, a seção sofreu diversas transformações, sendo que, em períodos de maior visibilidade, chegou a ganhar três páginas exclusivas na revista (Mello, 2024).


Além disso, outras características da Camisa 12 devem ser destacadas, como, por exemplo, a publicação de figuras de futebol de botão em quase todas as suas edições, palavras-cruzadas futebolísticas, escudos de times sob pedido dos leitores e uma subseção destinada à troca de cartas, selos, flâmulas e revistas. Outras subseções da Camisa 12 são: Lugar ao Sol, Minha Opinião, Você & o Ídolo, Boca no Trombone, Dica de Graça, Alô Mamãe, entre outras (Mello, 2024).


Sendo identificada como uma “revista masculina”, a participação das mulheres se deu de maneira acanhada e caricata. Através de sua linguagem, humor, fotos e colunistas, a Placar reproduzia diferentes valores que reafirmaram a influência dos homens nesse esporte (Saldanha, 2009), não à toa, a grande maioria dos leitores identificados nas cartas enviadas a Camisa 12 eram homens. Perpassado pelas disputas presentes nesse meio, “o futebol é entendido como produtor de práticas culturais e, por vezes, reprodutor de práticas sociais enraizadas” (Januário, 2019, p. 17). 


Na década de 70, as cartas publicadas enviadas por mulheres podem ser identificadas de duas maneiras. Primeiramente, há um grande número de cartas de leitoras criticando a postura de seus clubes, dirigentes e jogadores. Tal representação pode ser observada na edição de nº 55, em 1971, em que uma torcedora do Flamengo faz duras críticas ao treinador Yustrich. Outro exemplo é observado em 1978, na edição de nº 417, quando a carta de uma leitora é publicada. Nela, a torcedora critica quem invade as partidas de futebol e, segundo ela, acaba com a magia do jogo. 


Além disso, por outro lado, muitas cartas eram em formas de elogios: aos seus clubes, a jogadores, aos editores da Placar. Tais discussões também foram observadas em forma de pedidos para que a revista publicasse imagens dos jogadores que possuíam suas belezas exaltadas pelas leitoras, além de destacar suas atuações em campo. Um exemplo pode ser observado na edição de nº 16, em 1970, em que a Placar publicou uma série de cartas de leitoras pedindo fotos do jogador Rivelino, solicitando também que a revista publicasse o endereço do atleta. 


Um forte aumento em tal característica foi observado durante o início da década de 80, quando torcedoras se mobilizaram para conseguir votos para o concurso que buscava eleger o Craque Sexy do Brasil. Em diversas edições, leitoras enviaram cartas pedindo votos para os seus jogadores favoritos e incentivando a torcida por sua vitória. Essa característica foi aproveitada pela revista ao aplicar piadas machistas, sugerindo que as mulheres só se interessavam pelo futebol devido à beleza dos jogadores. Lamentavelmente, tal prática preconceituosa era apoiada pelas próprias leitoras nas edições seguintes.


Além disso, durante todo o período de existência da seção Camisa 12, as mulheres apareceram nas subseções Correios e Escreva Para. Divulgando seus endereços, tais leitores buscavam trocar correspondências com torcedores de seus clubes ou que residiam em suas regiões. Uma subseção chama a atenção ao ser identificada como um espaço exclusivo para as mulheres, sendo intitulada como Mulher tem vez. Sob o lema “Tem mulheres no pedaço. Aqui na Camisa 12, toda bola pra elas!”. Diversas cartas escritas por mulheres eram divulgadas e, principalmente, discussões sobre o futebol feminino eram frequentes. 


A primeira menção ao futebol feminino na seção Camisa 12 ocorreu na edição de nº 233, em 1974, em que a leitora Maria Inês Eduardo escreve: “os homens morrem de medo de que tomemos os seus lugares [no futebol], por isso nos mandam para o tanque”. Outras cartas em apoio ao futebol feminino foram localizadas nas edições de nº 533, 534, 535, 540 e 648, também nos anos 80. 


Leitoras expunham as dificuldades em praticar o futebol no Brasil enquanto sua prática era ilegal, uma proibição que perdurou por 40 anos. Além disso, elas buscavam patrocinadores, jogadoras, apoiadores e equipes de futebol feminino para que se iniciasse um campeonato dessa modalidade no país. Por meio de pedidos para que a revista publicasse o nome das jogadoras e suas respectivas equipes, elas ampliavam as discussões sobre a temática. Segundo Goellner (2021, p. 2), “a presença das mulheres nas mais diferentes ocupações e manifestações do futebol resulta de sua insistência em permanecer em um espaço que não é representado, incentivado e reconhecido como seu”.


Ademais, também foram observadas publicações de cartas que continham a indignação de outras mulheres sobre os problemas enfrentados ao adentrar em um ambiente masculino, como o futebol. Denunciando o teor sexualizado com que as mulheres e, principalmente, as torcedoras eram representadas nas páginas da revista Placar


Nos anos 90, esse ambiente disponibilizado aos torcedores se desfez por completo, visto que não foi encontrado em nenhuma edição. O fim da seção Camisa 12 não teve explicações por parte da revista, mas podemos imaginar que tenha ligações com o início da marginalização sofrida pelos torcedores organizados. Tal problemática também foi observada nas próprias páginas da revista, alimentando tal exclusão. Durante a sua fase “Futebol, Sexo e Rock and Roll”, nos anos 90, a revista Placar passou a distanciar-se das torcidas organizadas (Saldanha, 2009). E, logo, uma de tais medidas foi eliminar o seu espaço dentro da revista.  


Ainda assim, é necessário ressaltar que a revista continuou com outras seções de cartas em suas páginas destinadas aos seus leitores, porém com um teor menos participativo, principalmente para as mulheres. Restringindo-se à oportunidade de trocar edições da revista, descobrir curiosidades do futebol e também para a publicação de correspondências com teor humorístico.


Por fim, é crucial ressaltar o importante papel que essa seção teve para as mulheres. Ao se tornar um espaço de interação, sociabilidade e divulgação das torcidas, possibilitou que discussões provenientes dos anseios e críticas das leitoras fossem divulgadas. Além de disponibilizar um espaço para que a discussão sobre o futebol feminino tomasse forma. Infelizmente, ao longo de sua trajetória, a revista Placar apoiou timidamente essa modalidade, tal problemática pode ser observada no fato de que sua primeira capa com uma jogadora de futebol feminino só ocorreu em 2019 (49 anos após a criação da revista). Dessa forma, pode-se questionar se as mulheres realmente tiveram vez na revista Placar


Referências Bibliográficas:

GOELLNER, Silvana Vilodre. Mulheres e futebol no Brasil: descontinuidades, resistências e resiliências. Movimento, Porto Alegre, v. 27, jan./dez. 2021. 


JANUÁRIO, Soraya Barreto. Mulheres no campo: o ethos da torcedora pernambucana. São Paulo: Fontenele Publicações, 2019.


MELLO, Maria Karolinne Rangel de. “Camisa 12”: um espaço de sociabilidade e paixão clubística na revista Placar. Ludopédio, São Paulo, v. 178, n. 32, 2024.


PLACAR, edição nº 16. São Paulo: Editora Abril, 1970.


PLACAR, edição nº 55. São Paulo: Editora Abril, 1971.


PLACAR, edição nº 233. São Paulo: Editora Abril, 1974.


PLACAR, edição nº 417. São Paulo: Editora Abril, 1978.


PLACAR, edição nº 530. São Paulo: Editora Abril, 1980.


PLACAR, edição nº 648. São Paulo: Editora Abril, 1982.


ROCCO JUNIOR, Ary José; BELMONTE, Wagner Barge. Da informação ao entretenimento: análise do jornalismo esportivo brasileiro pela trajetória histórica da revista Placar. In: Anais do XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste, p.1-15, 2014.


SALDANHA, Renato Machado. Placar e a produção de uma representação de futebol moderno. 2009. 101 f. 2009. Dissertação (Mestrado em Educação Física). Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.


Sobre a autora:

Maria Karolinne Mello é Cientista Social pela Universidade Federal de Viçosa. Mestranda no Programa de Pós Graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais. Integrante do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas (GEFuT - UFMG).


Como citar:

MELLO, Maria. Mulher tem vez? - A participação de mulheres leitoras da revista Placar através da seção Camisa 12. Bate-pronto, INCTFUTEBOL, Florianópolis, V.1, n.20, 2024.


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