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Campeãs e ativistas: jogadoras do Corinthians confrontam Conmebol

Mariane da Silva Pisani


Jogadoras do S.C. Corinthians. Fonte: Instagram


No dia 19 de outubro de 2024, o Sport Club Corinthians Paulista conquistou pela quinta vez a Copa Libertadores da América de Futebol Feminino. Em contraste com a Libertadores de Futebol Masculino, que ocorre desde o ano de 1960, o torneio das mulheres teve início apenas em 2009. Portanto, um hiato de quase cinquenta anos separa as duas competições. A Libertadores de Futebol Feminino soma até hoje dezesseis edições, das quais treze foram vencidas por equipes brasileiras: Corinthians, com cinco títulos (2017, 2019, 2021, 2023 e 2024); São José, com três (2011, 2013 e 2014); Santos, com dois (2009 e 2010); Ferroviária, também com dois (2015 e 2020); e Palmeiras, com apenas uma vitória, em 2022.


Por um lado, ainda que evidente, sublinho a qualidade do futebol feminino brasileiro, especialmente daquele praticado no estado de São Paulo, uma vez que todas as equipes brasileiras vencedoras na competição são paulistas. Por outro lado, também destaco as conquistas de outros times latino-americanos como o Colo-Colo (Chile), em 2012, o Sportivo Limpeño (Paraguai), em 2016, e o Atlético Huila (Colômbia), em 2018, que deixaram suas marcas na competição.


A hegemonia das vitórias brasileiras na Libertadores de Futebol Feminino expõe alguns contrastes entre os investimentos destinados ao futebol de mulheres no Brasil em relação aos contextos de recursos limitados em outros países.


No Brasil, apesar de o futebol praticado por mulheres ter sido proibido por lei entre os anos de 1941 a 1979, as primeiras ligas profissionais começaram a ser disputadas ainda nos anos 1980. É o caso da Taça Brasil de Futebol Feminino, realizada entre os anos de 1983 a 1989. Da década de 1980 ao início dos anos 2000, houve algumas mudanças no nome do campeonato nacional de futebol feminino, sendo que, no ano de 2007, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) inaugurou a Copa do Brasil de Futebol Feminino. Somente em 2013, tivemos a primeira edição do que conhecemos hoje como Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino. Já nos casos do Paraguai, Chile e Colômbia, as ligas profissionais de futebol feminino possuem menos tempo de realização, uma vez que começaram a ser disputadas somente a partir dos anos de 1999, 2008 e 2017, respectivamente.


Pouco a pouco, o futebol feminino vem ganhando visibilidade e relevância em toda a América Latina. Contudo, ainda enfrenta desafios estruturais que são significativos. As jogadoras da modalidade, por sua vez, vêm denunciando, sistematicamente, que o esporte precisa de melhores condições, visibilidade e reconhecimento.


Alguns exemplos, ocorridos durante a Libertadores Feminina de 2024, ilustram essa questão. No mês de julho, uma rodada do campeonato foi cancelada devido a um surto de intoxicação alimentar, situação que já havia ocorrido em outra edição do campeonato, no ano de 2017. Da mesma forma, no início de outubro, ainda durante o campeonato, a jogadora corinthiana Gabi Zanotti usou suas redes sociais para denunciar, através de fotos e vídeos, as condições precárias dos ônibus que transportavam as atletas aos jogos.


Esse cenário de descaso foi exposto de maneira mais enfática pelas próprias jogadoras do Corinthians que, logo após a conquista do campeonato, publicaram um vídeo de protesto em suas redes sociais direcionado à Conmebol, organizadora da competição. No vídeo de trinta segundos, todo o elenco se manifesta:

Ganhamos, mas nem tudo é festa. Mudança de sede de última hora, falta de divulgação, campos ruins, risco de lesões, apenas vinte atletas inscritas, jogos de três em três dias, estádios vazios, proibidas de aquecer no campo de jogo, estruturas precárias. Isso é uma falta de respeito! Inadmissível! Não só com o Corinthians, mas com todas as atletas, todos os clubes, todos os países. Queremos respeito para crescermos juntas!

Esta não foi a primeira vez que as jogadoras do Corinthians recorreram às redes sociais para expor seu descontentamento com a estrutura machista do futebol que insiste em violentar – seja de maneira física ou simbólica – os corpos e as subjetividades das mulheres. Em abril de 2023, quando o Corinthians contratou o técnico Cuca, até então acusado e condenado pela justiça suíça por estupro de uma menor de idade, as jogadoras protestaram, afirmando que o slogan #RespeitaAsMinas, muito utilizado pelo Corinthians, “não é uma frase qualquer”. Poucos dias depois dessa manifestação das jogadoras, e também devido às pressões de torcedores e torcedoras, Cuca rescindiu contrato com o clube, alegando que acionaria seus advogados para revisão do caso. Em janeiro de 2024, a justiça suíça anulou sua condenação.


A partir dessas duas ações das jogadoras do Corinthians, é possível perceber como as redes sociais vêm se afirmando enquanto espaço estratégico para o que podemos chamar de ativismo esportivo. Especialmente quando as situações vivenciadas pelos atletas envolvem violências de gênero ou étnico-raciais – é o caso do jogador Vini Jr., que utiliza suas redes sociais para denunciar questões de racismo no futebol. No contexto do futebol feminino, em que os espaços tradicionais de mídia e atenção institucional são muitas vezes limitados, redes como Instagram, Twitter e TikTok permitem que as jogadoras levem suas demandas diretamente ao público, sem mediações ou filtros.


Assim, o vídeo veiculado pelas jogadoras do Corinthians logo após a final da Libertadores Feminina de 2024 evidencia a estrutura precária da competição e revela a urgência de políticas de apoio e desenvolvimento para o futebol feminino em todo continente, especialmente por parte das principais instituições que regulam a modalidade. Aliás, é importante destacar que a América Latina é um território que carrega, até os dias de hoje, as marcas históricas dos seus violentos processos de colonização. Neste continente, que é marcado por tantas desigualdades de raça e de classe, o futebol de mulheres aparece como um espelho que reflete e escancara as desigualdades e as violências de gênero vividas cotidianamente pelas mulheres latino-americanas.


Não é de hoje que o futebol feminino latino-americano demanda políticas públicas, investimentos sólidos e um comprometimento genuíno das entidades responsáveis pelo esporte. Assim, as vitórias e conquistas do futebol de mulheres não devem nos impedir de constatar a falta de estrutura vivenciada pela modalidade ou, ainda, questionar os motivos que levam ao abismo existente em relação ao futebol dos homens.


Um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) é o alcance da igualdade de gênero para meninas e mulheres, em todas as esferas da vida. Assim, o que as jogadoras que disputaram a Copa Libertadores da América de Futebol Feminino de 2024 demandam não são privilégios, favores ou regalias, mas a chance de competir em condições dignas, com a mesma seriedade, compromisso e apoio que é dedicado aos homens.


É somente a partir do apoio público, midiático e governamental que o futebol feminino, brasileiro e latino-americano, poderá se fortalecer, não apenas enquanto esporte, mas também como espaço de reconhecimento e conquistas sociais.


Este texto é a adaptação de um artigo publicado originalmente no Brasil de Fato.


Sobre a autora:

Mariane da Silva Pisani é doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP) e Mestra em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente é professora adjunta na Universidade Federal do Piauí (UFPI), onde coordena o Grupo de Pesquisa em Antropologia e Interseccionalidades (ANTROPOS). É vice-coordenadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Estudos do Futebol Brasileiro (INCT Futebol).


Como citar: PISANI, MARIANE. Campeãs e ativistas: jogadoras do Corinthians confrontam Conmebol. Bate-pronto, INCTFUTEBOL, Florianópolis, V.1, n.21, 2024.




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